terça-feira, 4 de outubro de 2011

Felipe Elias e a imigração libanesa

A imigração libanesa

A virada do Século XX foi marcada pelo domínio turco sobre os povos árabes. O Líbano, com sua natureza fértil, era subjugado enquanto começava a se tornar reconhecido pela prestação de serviços. Devido ao forte inverno na região, os ciclos produtivos eram curtos. Beirute era o centro financeiro e cultural e começava a exportar imigrantes aos países do Novo Mundo que sonhavam com tempos melhores. Aquele foi um momento especial na trajetória dos Estados Unidos que aproveitaram muito bem o segundo ciclo da revolução industrial e passaram a atrair gente do mundo todo. Já o Brasil, não tão industrializado, vivia o reflexo desse impacto e também era tido como uma possibilidade de vida nova. São Paulo – centro co-mercial do país – era o destino favorito dos Libaneses que mantinham a tradição herdada dos fenícios. Os grandes comerciantes chegavam por aqui, criavam suas redes atacadistas e depois contratavam mascates libaneses que percorriam toda a região com suas canastras repletas de utensílios domésticos. Esta é a trajetória de Assad, que se tornou muito conhecido por sua casa comercial e que distribuiu diversos comerciantes no trajeto das antigas “bandeiras”.

A chegada a Santa Rita do Sapucaí

Assad foi o primeiro Baracat a chegar a Santa Rita do Sapucaí. O comerciante não demorou a conhecer todo o potencial da cidade, com seus coronéis que abriam as casas para convidar os vizinhos e receber os mascates. Em um tempo em que ainda não havia comércio local, uma grande recepção era feita e diversos produtos expostos pelos vendedores libaneses que pouco entendiam a nossa língua. Nos locais onde eram bem recebidos, os comerciantes fundavam lojas e geravam famílias que não demoravam a se integrar aos conterrâneos. Assad não ficou, mas seu ciclo comercial na região trouxe a maioria das famílias libanesas residentes por aqui.

A vinda do Felipe Elias

Felipe Elias foi um dos tantos comerciantes que procuraram Assad, assim que chegaram ao Brasil. Seu sobrenome, Kallás, vinha da palavra “cal” e significava brancura. Sua primeira missão ao começar uma nova vida era aprender com os outros vendedores a negociar sem entender nada do português. A intuição valia ouro. No comércio de Assad, o jovem libanês enchia a canastra com casimiras inglesas, linhos S120 holandeses, peças de cutelaria, bijuterias, perfumes e joias e embarcava no trem da Rede Mineira de Viação com destino ao sul de Minas. A identificação com Santa Rita foi tamanha, que o mascate não tardou a se firmar na Rua da Ponte e se casar com a também libanesa Maria Jorge Kallás. De sua união, surgiram quatro filhos que se estabeleceram por aqui.

Casa Vênus

O comércio que Felipe Elias construiu, a partir de suas economias, chamava-se Casa Vênus. A alusão à deusa do amor devia-se ao fato de que o grande filão explorado pelo rapaz eram os enxovais de casamento. Assim que iniciou seus trabalhos, o libanês passou a receber os mascates em sua loja e teve em sua esposa grande auxílio nas negociações com os brasileiros. Toda vez que chegava um viajante com suas malas repletas de tecidos e joias, hospedavam-se no lendário Hotel Melo e eram auxiliados pelo carregador Orestes – com sua carrocinha verde – que levava as bagagens do Hotel até os pontos comerciais espalhados pela rua da ponte. Grandes comerciantes percorreram o mesmo caminho. As famílias Rezeck, Kallás, Anderi, Calixto, Sarkis e Murad compartilharam histórias parecidas e se tornaram tradicionais na terra mais cordial que já conheceram. A tradição ancestral de não se fixar em apenas um local era quebrada pela receptividade dos santarritenses. Por lidarem com dinheiro, muitas vezes esses homens eram vistos como apegados ao materialismo, mas acabavam quebrando esse preconceito por fazerem questão de estudar seus filhos e torná-los imprescindíveis à sociedade.

Paixão pela caça

A grande paixão de Felipe Elias Kallás era a caça. O comerciante era um exímio caçador e nunca abatia além do que poderia consumir. Em seu estabelecimento, até um clube foi montado para que os praticantes da modalidade se encontrassem para contar verdades e proezas ligeiramente inventadas.  Oswaldo e Décio Guerzoni, Astolpho Dias, Oswaldo Silva, Tenente Aníbal, Domingos e Aristeu Caputo, eram alguns dos frequentadores do clube que tinham Magriner, Remington e Bereta, palavras sempre presentes em seus vocabulários. Às margens do Sapucaí, quando o cão sentia o cheiro das codornas, amarrava: montava guarda e ficava paralisado em direção à caça. Era o momento em que os caçadores batiam o pé no chão, disparavam o cão e abatiam as aves em movimento.
Quando não havia juros

Apesar de vender armas e equipamento para caça, a época em que a Casa Vênus mais lucrava acontecia entre outubro e novembro - período de negociação das safras. Era o ciclo do café. Nesse período, Felipe contava com a sensibilidade da sua companheira que sempre procurava conhecer o gosto das freguesas, antes de fazer os pedidos. Uma delas, conhecida como Mariquinha do Capitão, era muito elegante com seus vestidos rendados e sempre procurava Maria Kallás para encomendar roupas e utensílios para a família inteira.

Além dos grandes produtores, havia na cidade três figuras importantes: o viajante bem sucedido, o bancário e o corretor de café. Muitos desses homens, como o senhor Felipe, integraram-se facilmente às famílias tradicionais da cidade e hoje são tidos como santarritenses legítimos e muito queridos por toda a sociedade. Através destas famílias, nosso povoado se desenvolveu e ganhou novos ares. Por suas obras, o município ganhou forma e se tornou o que é. Aos queridos imigrantes, nossa saudosa homenagem. Aos bravos libaneses, nossa eterna admiração.

Este texto foi baseado nos depoimentos do amigo Ely Kallás, filho do senhor Felipe Elias, a quem muito agradecemos. Por Carlos Romero Carneiro.

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