quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Carvalho Eduardo e sua pluralidade de idéias

 Carvalho Eduardo Marcelino é angolano e vive há mais de 10 anos em Santa Rita do Sapucaí. Nascido na década de 60, em um território mergulhado em conflitos, durante muitos anos, viu de perto uma intensa guerra contra a ocupação portuguesa e passou a juventude toda sem conhecer um dia de paz. Mais tarde, participou como oficial da Marinha na guerra angolana e conheceu diversos países europeus e africanos, antes de aventurar-se em terras brasileiras. Carvalho, hoje, é formado em eletrotécnica e pedagogia e trabalha na coordenação de projetos empresariais da Incubadora Municipal de Empresas. Nas próximas linhas, você conhecerá um pouco de sua idéias em uma entrevista concedida a Evandro Carvalho

Evandro Carvalho: Angola, sua pátria,  atinge hoje uma inacreditável taxa de crescimento econômico anual de 24%. A que fatores o Sr. atribui este crescimento?


Carvalho Eduardo: O primeiro fator deve-se a uma consciência coletiva de que a Angola ter passado pelo sofrimento de longos anos de guerra, com tamanha distruição, não valeu a pena. Só beneficiou os mentores e os lobos internacionais. Mas, com isso, o povo passou a enxergar que é necessário viver o aqui e o agora, a buscar sua própria identidade, as soluções próprias, sem depender muito da interfe-rência externa. O segundo é que o país é rico em recursos naturais. A exploração do petróleo chegou a dois milhões de barris/dia e os diamantes são explorados em grande quantidade e qualidade. O terceiro fator é a capacidade do angolano em lidar com as diferenças étnicas. O quarto fator é o clima político favorável aos interesses nacionais e internacionais e à pluralidade de idéias. Por último, deve-se ao controle da moeda nacional e à confiança a médio e longo prazo dos investidores.

Evandro Carvalho:  O regime  democrático com um presidente oriundo de uma ditadura de esquerda é responsável por este crescimento?

Carvalho Eduardo: A responsabilidade pelo crescimento não se personifica na pessoa do senhor presidente mas na inteligência coletiva nacional, apesar de ele ser o timoneiro desse barco. O presidente José Eduardo dos Santos tem conduzido sabiamente os interesses da nação. Os seus investimentos em Angola estão nos dando confiança de que a nossa casa merece o melhor de nossos esforços.

Evandro Carvalho: O fim do regime comunista em Angola aumentou a qualidade de vida da população angolana?


Carvalho Eduardo: A Angola, apesar de ter tido orientação socialista, não chegou a atingir o status de um país comunista. Vivíamos num período de transição, antes mesmo do comunismo entrar em colapso em 1989. Saímos de uma economia centralizada para uma de mercado,  em 1985, mas não tenho elementos ainda para dizer se houve uma melhora na qualidade de vida. No regime socialista, muitos angolanos analfabetos tiveram o acesso à escola, à saúde e ao trabalho. Poderemos fazer uma avaliação futura do período de colonização, da independência e da guerra no país.

Evandro Carvalho: Karl Marx enxergou no fim do túnel do comunismo a própria ruína do capitalismo. Marx estava certo ou estava errado? O que o Sr. pensa desta teoria?


Carvalho Eduardo:  Não estudei este conteúdo com profundidade, por isso é prematuro dar uma idéia segura a respeito. Mas o que tenho conhecimento é de que o mundo é dinâmico e a falência do capitalismo está ocorrendo no sentido de buscarmos um novo paradigma global de economia e de política. O novo foco é a China, que soube associar o contexto nacional a uma economia liberal e a um regime socialista. Karl Marx estudou as relações capitais de trabalho. Creio eu que ele tenha encontrado a sentença do capitalismo, na impossibilidade de lidar com o mesmo.

Evandro Carvalho: A própria ONU é um ensaio de um governo mundial. Hoje, muitos blocos - especialmente organizados na perspectiva econômica - dão novas fronteiras para a organização geopolítica internacional. Estamos assistindo à derrocada do estado?

Carvalho Eduardo: A ONU foi criada em um contexto difícil. O mundo passava pelo poder dos que se vangloriavam em ter domínio das tecnologias e da idéia da superioridade das raças. Desta forma, ela foi criada no sentido de traçar entendimento global entre as nações. Houve favoritismo aos países envolvidos intensamente nesses conflitos e a alguns economicamente seguros. O conflito de ideologia tendia a dividir o mundo em capitalista e socialista. Com o fim da União Soviética, os países tiveram que tomar uma postura regional e internacional. Desta forma, o que está ocorrendo não é uma falência do estado, mas o surgimento de um modelo novo, já que perdemos os pólos que conduziam e ditavam a ordem econômica, política e social do mundo.

Evandro Carvalho: Você considera os avanços do governo Lula suscetíveis a uma reorientação - sobretudo na economia - ou o país está no caminho certo?

Carvalho Eduardo: Os cenários futuros irão ditar quais são as necessidades a serem supridas. Eu não enxergo os modelos atuais como o projeto do presidente Lula como uma continuação do projeto do ex-presidente Fernando Collor de Melo, quando ele chamou de carroças os carros que circulavam em território nacional. O exemplo ele deu em não permitir que o processo democrático parasse, fazendo com que renunciasse da presidência todos os recursos de que dispunha para que o país voltasse à ditadura. Espero que os próximos governantes enxerguem esse caminho seguro que o Brasil conquistou.

Evandro Carvalho: Hugo Chavez é tido como uma nova ameaça à dita tranquilidade da América Latina. Você o considera caudilho ou defensor legítimo de um país sabidamente prejudicado em décadas de exploração do petróleo?


Carvalho Eduardo: Não considero uma ameaça, mas uma força diferenciada ao que estamos acostumados a vivenciar no cenário mundial de dominadores. O petróleo o coloca sempre no foco das tensões entre diversas nações, agravado, às vezes, por alguns exageros que ele come-te na tentativa de se perpetuar no poder. Mas ele sabe que sozinho não conseguiria e então conta com a força do povo. O escritor americano James Baldwin coloca o seguinte: “as pessoas somente aceitarão na vida do outro aquilo que estiverem preparadas para aceitar nas próprias vidas”.

Evandro Carvalho: O que o Sr. pensa sobre a social-democracia do Brasil?


Carvalho Eduardo: Ela está caminhando com passos seguros. Vemos idéias sendo debatidas publicamente, o que não ocorria há 20 anos atrás.

Evandro Carvalho: O Sr. gostaria de voltar para a Angola? Você se considera mais brasileiro ou mais angolano?


Carvalho Eduardo: Voltar para a Angola é uma questão de tempo. Eu não me considero mais angolano ou mais brasileiro. Eu sou um angolano legítimo, com todos os porquês.

Evandro Carvalho: Qual é a sua opção partidária?

Carvalho Eduardo: Eu aprecio a pluralidade das idéias. A vida me ensinou a viver com as diferenças. Dizia o presidente Angolano Agostinho Neto que “nos basta ser justo e puro”. É necessário que a justiça e a pureza existam dentro de nós.

2 comentários:

  1. bacana é a imparcialidade do entrevistador.

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  2. sou filho de carvalho e me chamo pedro calute.

    Pai gostei muito o que o senhor escreveu só quero
    que o senhor venha para o BRASIL.

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