quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Tonico Moreira e a chegada da energia elétrica a Santa Rita e região

Até 1910, a iluminação pública em Santa Rita do Sapucaí era feita através do uso de lampiões a querosene. Ao anoitecer, um funcionário da prefeitura era encarregado de acendê-los e depois voltava, entre nove e dez horas da noite, para apagá-los novamente. Naquele ano, através da iniciativa da Câmara Municipal, o 1º artigo do Projeto 123 determinava a contratação de uma empresa para trazer a energia elétrica à cidade: “Fica o agente do executivo autorizado a contratar com quem mais vantagens oferecer, a instalação de uma indústria de eletricidade nesta cidade e município. E o fornecimento de luz elétrica, com privilégio, pelo prazo de vinte e cinco anos.”
Ao tomar conhecimento de que aquele empreendimento era de grande importância para o desenvolvimento local, Tonico Moreira decidiu assumir a empreitada e viajar à Alemanha para trazer uma usina que produziria energia para toda a região. Temerosos dos desafios a que o produtor rural seria submetido, familiares e amigos falavam sobre as barreiras impostas pela língua. Quando era alertado sobre os riscos que corria, o homem enérgico e exigente, sempre batia a mão no bolso e dizia com segurança: “Esse aqui fala qualquer língua.” 

Segundo constatamos através de relatos publicados em antigos jornais, o filho de Antônio Moreira da Costa embarcou em um navio com destino à Europa e passou por grandes dificuldades quando os oficiais da alfândega descobriram que ele carregava uma espingarda. Dizem que foi preciso bater a mão no bolso muitas vezes até que os fiscais “entendessem” que o empreendedor santa-ritense visitava o “Velho Mundo” em uma missão de paz.

Ao chegar à Alemanha, Tonico visitou as instalações da Siemens, onde discutiu a compra de uma usina hidrelétrica com o proprietário da recém-criada firma. Encerradas as negociações, o empreendedor foi orientado a contratar os serviços de 2 engenheiros, Henrique Betex e Ettore Bertacin, da Casa Siemens de São Paulo, e retornou a Santa Rita com a missão de criar uma sociedade anônima que ficaria conhecida como “Companhia Força e Luz Minas Sul”. Após a aprovação do orçamento, o projeto ficou sob a Tutela de João Euzébio de Almeida, que se tornou o primeiro presidente da Companhia. Outro desafio, seria encontrar um local próximo, dotado com as especificações corretas para sediar o empreendimento. Pelas características necessárias para gerar pressão no momento de girar as turbinas, foi escolhida a cachoeira São Miguel localizada no município de Natércia. Não havia na região, nenhuma outra queda d’água com tamanho volume de água e altura (mais ou menos 80 metros). A transferência da escritura, entretanto, só seria lavrada em janeiro de 1913, um ano após o início das atividades.

Após o pagamento da primeira parcela, desembarcava na Estação Afonso Pena, o maquinário todo desmontado. Como a ponte de madeira sobre o Rio Sapucaí era ainda muito precária, foi necessário enviar um telegrama com pedido de autorização ao governador de Minas Gerais para que pudessem atravessá-la com toneladas de equipamentos.

O transporte, de Santa Rita a Natércia, demorou dois meses e foi necessário adaptar todo o trajeto. Pontes foram reconstruídas, estradas alargadas e terrenos alagadiços tiveram que ser aterrados. Para se ter uma ideia das intempéries enfrentadas durante a viagem, a avenida Delfim Moreira afundou quando passou a primeira peça da turbina e o transporte de apenas um mancal levou 40 dias, para o que foram necessárias 8 juntas de boi. Receoso de que algo poderia dar errado, Tonico questionava o responsável pelo transporte sobre a forma como estava sendo realizado e ouvia sempre a frase: “Eu sei o que estou fazendo.”

Quando as peças chegaram a Natércia, o equipamento foi construído com muitos erros e não funcionou ao término da montagem. Por este motivo, o engenheiro responsável foi dispensado dos serviços e foram necessários muitos ajustes até que o sistema funcionasse e uma rede de fios levasse a energia até Santa Rita, seguindo pela estrada do Vintém. No último dia de 1912, a população promoveu uma grande festa em comemoração àquele feito tão extraordinário.

Assim que entrou em atividade, a Minas Sul passou a fornecer energia elétrica para diversas cidades da região. O escritório central ficava localizado à Rua Cel. Antônio Moreira da Costa, mas cada cidade atendida pela companhia possuía uma unidade onde ficavam os responsáveis pela assistência e administração. Sempre que ocorria algum problema de natureza técnica, um grupo partia da usina e outro do local da falha para detectar o ponto onde a linha havia caído. Outro fato pitoresco envolvendo a manutenção da energia elétrica refere-se ao constante roubo de lâmpadas por crianças que nunca tinham visto algo parecido na vida. Dizem que, certa vez, Tonico flagrou um menino trepado num poste e, com espingarda apontada para ele, gritou: “Se descer daí, leva chumbo!” Foi preciso muita conversa dos habitantes da cidade para que o empreendedor deixasse o rapazinho descer.
Com a chegada da energia elétrica, Santa Rita passou por um grande impulso de desenvolvimento, quando indústrias e escolas passaram a ser criadas em função da nova facilidade. Em 1929, quando a cidade decidiu implementar um sistema de desmonte do Morro do Esguicho para aterrar os pântanos existentes na cidade, Tonico voltaria para a Europa para negociar as máquinas e aproveitaria o embalo para adquirir uma segunda usina para expandir, ainda mais, a sua atuação. Em uma carta, enviada pelo empreendedor, do Hotel St. Raphael, em Paris, no dia 4 de novembro de 1929, ele fala sobre a compra do maquinário para a usina e também dos equipamentos para a obra do aterro (imagem na capa):

“Caro filho, Joaquim. É com grande saudade que escrevo estas linhas. Nós vamos bem, graças a Deus. Hoje vamos para Marselha esperar o navio Flórida, o mesmo que nós viemos. Não comprei os fios que desejava por ser caro. Vou comprar em São Paulo. Nós fomos a Berlim e lá encontramos o engenheiro Lechthaler. Queria me vender o pequeno grupo e respondi que precisava ver o orçamento que demorava a remeter antes da minha partida.”

No dia 13 de outubro de 1935, a Minas Sul foi encampada pela Cia Sul Mineira de Eletricidade, com sede no Rio de Janeiro, e que passou a atender 39 cidades da região. Com esta negociação, uma série de melhorias passaram a ser implementadas até que, dois anos depois, os velhos postes de madeira foram trocados, instalações particulares melhoradas e os fios foram adaptados às exigências do município.

Em 1976, a usina foi desativada e todos os maquinários, ferragens e canos, vendidos como sucata. O que sobrou foram barragem, comporta e ferragens. Através de algumas fotografias do local, é possível ter uma ideia de como era a tão famosa usina (acima).

(Carlos Romero Carneiro)

Oferecimento: Colégio Tecnológico Delfim Moreira

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