segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Entrevistamos nosso grande amigo Ivon

Ivon com imagem de Santa Thereza D'ávila - sua peça mais antiga.
Conte-nos sobre sua vinda para Santa Rita

Eu fiz Ginásio em Lorena e vim estudar no IMEE. Meu pai queria que eu estudasse no melhor colégio da região, que era aqui. O interessante foi que quando eu vim estudar aqui muita gente que havia estudado comigo em Lorena, veio junto. Nos tempos de Colégio eu morei na pensão da Dona Maria Baldoni – na entrada da cidade. Na época, o curso era chamado de Científico.

Quando o senhor começou a lecionar História?

Eu me formei em Farmácia em 1958 e me casei um ano depois. A cerimônia aconteceu em Aparecida. Saímos de Santa Rita e fomos nos casar lá. Ao chegar em Santa Rita, fui dar aula no IMEE (Instituto Moderno de Educação e Ensino). Lecionava Física, Química e Biologia. Um dia, faltou um professor de História e o Padre Constantino Gonzalez pediu que eu desse aulas no lugar. Eu disse a ele que não sabia nada da matéria, mas ele me convenceu.  Desde então, comecei a estudar História e me apaixonei. Dei aulas da matéria por um ano. De lá pra cá, nunca mais parei.
Hall do antigo IMEE
Como era o IMEE?

Entrando no local onde hoje é o Inatel, do lado esquerdo estava o Ginásio. Do lado direito, havia o Colegial. Atrás do prédio principal tinha um refeitório que, nas datas festivas como o 11 de agosto (Rainha dos Estudantes), se transformava em salão de festas. No andar de cima do prédio principal ficavam os dormitórios, já que lá era um internato. No início, o Colégio era só para homens. As mulheres estudavam na Escola Normal. Depois misturou.

E a avenida que dava acesso ao Instituto?

Daqui da Igreja de São Benedito até o IMEE era uma estrada de terra. A chácara do Sanico ia até o portão do IMEE onde ficava a casa do senhor Castilho. Nessa chácara havia um pomar onde os internos iam roubar frutas. Uma vez o senhor Sanico se queixou para o Professor Castilho e ele chamou a atenção de todo mundo. Como vingança, a molecada passou a roubar as laranjas e levar de volta só o bagaço que era deixado debaixo da árvore.  
A atual Avenida João de Camargo era apenas uma "picada" nos tempos do Instituto Moderno.
E o senhor Henrique Del Castillo?

O senhor Castilho era um homem muito inteligente. Uma vez eu saí num domingo para ir à missa e, na volta, eu não abri a porteira, eu pulei. Vendo aquilo, ele me chamou e disse: “Ô moço... não pula mais a porteira, não... O cavalo vê e aprende.”

E os bailes daquela época?

Lembro que a cidade era muito agitada, era muito bom. Já os bailes, todo mundo adorava. A orquestra que mais vinha era a de São Gonçalo. Tinha também a Cassino de Sevilha, a Jazz Brasil, além de cantores como Gregório de Barros e  outros.
A lendária Orquestra Jazz Brasil.
O senhor se lembra da Festa das Jabuticabas?

Lá no Chalé tinha muitos pés de Jabuticaba. Você pagava um dinheirinho, entrava e se esbaldava. A renda do evento, promovido por Dona Sinhá, era revertida em benefício de alguma Instituição. Também tinha uma ação onde as meninas vendiam votos e quem arrecadasse mais dinheiro se tornava a “Rainha da Jabuticaba”.

Para o senhor, como são as pessoas daqui?

Eu estava lendo um livro chamado “Comer, rezar e amar” onde a escritora contou que nas viagens que fez, percebeu que cada cidade tinha uma feição, uma característica. Então eu fiquei pensando nisso aí, até que escrevi uma crônica que dizia que Santa Rita tinha um misto de esperança e desilusão. As pessoas não confiam na Câmara, não confiam no executivo... ficam numa situação de ter que mascarar essa desconfiança através de brincadeiras, próprias do brasileiro.

Qual é o objeto mais raro de sua coleção de antiguidades?

É uma imagem de Santa Thereza D´Ávila, datada de 1720, em madeira talhada. Mas eu também tenho muitos documentos, como um exemplar de papel almaço. (Ivon começa a mostrar alguns documentos antigos) No tempo do Império, os papéis eram importados. Eles eram produzidos no norte da África em um lugar chamado Almaço. (Ivon coloca a folha contra a luz e é possível ver uma marca d´água com as inscrições Gior Magnani e Almaço.) Este documento é de 1889. Uma carta ao sub-delegado de Polícia de Cambuí. Eu tenho também uma procuração da época do Império, datada de 1882, também em papel Almaço. No Brasil não tinha nada. O papel era importado, a tinta era importada e o clipe também.

Qual foi o fato mais emocionante em sua carreira como professor?

Foram muitos. Um deles aconteceu na Escola Normal. Eu dava aula no Magistério e havia uma menina com alguns probleminhas de afetividade e que, de vez em quando, se sentia mal. Em uma das aulas ela saiu de sua carteira e disse: “Estou me sentindo mal. Você poderia me dar um abraço?” Eu a abracei e ela foi se acalmando. A classe ficou toda quieta. Na década de 60 isso não era muito comum. Quando ela ficou melhor, voltou para a sua carteira e eu continuei a aula. Fiquei muito emocionado.
Lembra de algum fato pitoresco?

Uma vez, eu estava dando aula no andar de cima do Colégio Sinhá Moreira. Enquanto falava ficava andando de um lado para o outro e, nisso, notei que tinha um menino (Laudo Vilela) murchando o pneu do meu carro! Eu olhei bem e vi quem era. Quando terminou a aula eu mandei chamar o menino e falei: “Você vai lá, tira o pneu, abre o porta-malas, troca o pneu e me entrega as  chaves sem dar um arranhão no carro.” Ele não sabia nem o que era estepe e teve que pedir ajuda para o Fausto. Ele foi rodando o pneu até o posto do Zé Padoia, consertou, voltou rodando e colocou o pneu de volta. Uma semana depois, o pai dele veio aqui me agradecer. Foi a maior lição que ele teve...

E a história do Jipe?

Eu tinha um Candango (Jipe DKV) e ia com ele lecionar em Cambuí. Na porta da escola tinha uma rampa, onde eu deixava o carro porque, se eu soltasse o carro ali, não seria preciso empurrar para fazê-lo funcionar. Todo dia, no final das aulas, eu ia pegar o carro e ele estava lá embaixo. Eu não via um único aluno, mas o carro sempre estava no final da rampa. Em uma das aulas, quando eu abri a porta do carro, saíram umas dez galinhas de dentro. Quando eu tomei o susto, os alunos todos apareceram e começaram a dar risada. Em 2000, após uma palestra que eu fiz em Cambuí, um rapaz chegou até mim pra contar que o autor da brincadeira tinha sido ele.

Qual é a lenda local de que o senhor mais gosta?

Conheço uma lenda daqui mas que tem uma raiz na história. É a lenda da lagoa do bicho. Aqui onde ficam a FAI e a ETE tinha uma lagoa onde as pessoas diziam viver um Minhocão. De vez em quando ele acordava, se mexia e a água transbordava. Era uma forma de explicar as enchentes. Com os egípcios acontecia o mesmo. Para explicar a cheia do Nilo, diziam que eram as lágrimas de Isis. Em São Luiz do Maranhão tem um poço atrás da catedral, onde dizem que existe o olho de uma cobra. Então eles dizem que a cidade de São Luiz está disposta sobre o bicho e que ninguém pode jogar nada no poço para ele não despertar. O Padre Carvalhinho fala em seu livro (Trem de Manobra) que a origem do Bairro Cruz das Caveiras está na Lagoa do bicho também.
Aterro da Lagoa do Bicho para Construção da ETE.
Antes de vir para Santa Rita onde o senhor lecionou?

Em 1962 e fiz concurso para Santa Rita, Cambuí, Santos Dumont e Aimorés. No início eu queria vir para cá, mas o concurso ainda não tinha sido aberto. Então eu fui para Aimorés, que era uma área de litígio. Minas falava que Aimorés era território deles e o Espírito Santo dizia o mesmo. A cidade tinha duas prefeituras, duas coletorias... os alunos iam para a escola com revólver. Resolvi me mudar para Santos Dumont. Lá havia uma indústria de carbureto e, quando eles davam descarga na chaminé, a fuligem batia nas roupas do varal e queimava tudo. No meio do ano eu vim para Santa Rita e, nesse período, passava a semana lecionando aqui, em Cambuí e estudando pedagogia em Itajubá. Tempo bom...

Oferecimento:

2 comentários:

  1. Tive o enorme prazer e, por que não, honra em estudar com o Ivon no CP2 e na FAI. Alem de ser um excelente professor é uma pessoa sensacional.

    Um grande abraço.

    Mamão.

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  2. Todo tempo é bom quando se tem um pai brilhante, amigo, poeta e historiador como é o senhor... pai! Essas e tantas outras histórias que conheço bem são dignas de um livro: "As Histórias do Professor Ivon!" Felicidades e a paz!

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