sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Três passagens da década de 80 que abalaram (ou não) a cidade

A passagem de Fernando da Gata

Uma das primeiras recordações que tenho de Santa Rita do Sapucaí vem de 1983, quando o bandidão Fernando da Gata, deixou um rastro de medo em Pouso Alegre e bandeou para nossa cidade, em busca de um cafofo. Os pais, apavorados, enchiam a cabeça da criançada de histórias sobre o terrível vilão vindo de São Paulo e trancavam suas portas assim que o sol baixava.

Na curta estadia de Fernando Soares Pereira por aqui, ouvi histórias de que ele vivia escondido nas redondezas da Rua do Queima e que carregava os pertences em uma meia calça vermelha presa entre dois dentes e um pivô, para atravessar o rio a nado. De meus colegas do jardim da infância, soube que o rapaz era dono de um sapato com garras afiadas para caminhar entre as matas e que tinha os olhos vermelhos feito brasa. Tudo invenção... Só mais tarde descobri que Fernando da Gata foi um sujeito muito ágil e violento, que ligava aos donos das residências para avisar que estava roubando, zombava da Polícia, fugia de tudo que era prisão, matava, judiava das mulheres que cruzavam seu caminho, era cínico, bobo, feio, e não tinha dó de ninguém.

Apesar de assustar muitos santarritenses, soube que o bandido nem chegou a entrar na cidade e que foi morto nas redondezas da fazenda do senhor Huet Moreira, pela Polícia Militar. O fato é que bastou Fer-nando da Gata esticar as canelas para virar lenda. Ganhou samba-enredo, poesia, seriado na Globo e literatura de cordel. Em Russas, sua terra natal, seu corpo chegou em um ataúde de madeira e foi recebido com festa pela população que nunca tinha visto um conterrâneo aparecer nos jornais.

A passagem do lendárioCometa Halley

Três anos após a passagem relâmpago de Fernando da Gata por nossas bandas, foi a vez de um outro astro aparecer (ou desaparecer) por aqui. Tratava-se do polêmico Cometa Halley, que quase ninguém viu.

Antes daquela data, em 1910, o cometa já havia causado grande pânico nos santarritenses quando alastrou a notícia de que o rabudinho liberaria um gás letal, conhecido como cianogênio, e que dizimaria toda a humanidade. Foi um corre-corre imenso na cidade. Os mais antigos contam que muitas pessoas entraram em pânico, se esconderam debaixo da cama, fizeram panelaço para espantar “o bicho” e lotaram o confessionário, em busca de redenção. Ao contrário do que muitos previram, o mundo – novamente – não acabou e cá estamos nós, à espera de 2012.

Se 76 anos antes, Halley foi apenas um grande susto que percorreu os céus de Santa Rita do Sapucaí, em 1986 não passou de uma pequena decepção. Com os dias nublados e uma dificuldade enorme de achar aquele pontinho minúsculo de calda reluzente, quase ninguém parou de assistir Roque Santeiro para olhar pro alto. Quem lucrou com sua passagem foi o comerciante Massaro, que vendia dúzias de “Lunetas do Cometa Halley”, produzidas com canudos de papelão estampados com o “tema da estação”.

No decorrer desse acontecimento pouco emocionante, assisti pela televisão à destruição do ônibus espacial Challenger, que havia partido para a “Missão Halley Espacial” e acabou explodindo, pouco depois da decolagem. No começo, pensei que aquela fumaça toda era normal. Só depois foi que me contaram que a casa havia caído para os tripulantes. Mais uma vez, o homem não havia conseguido dominar a natureza e a humanidade ficou um bom tempo sem brincar de astronauta.

A passagem de Afif (Quem?)

Para não quebrar a tradição de sempre acontecer algo realmente impactante na cidade (a cada triênio), a década de 80 terminou com a primeira eleição direta no país, em 29 anos. Das 22 chapas que concorriam ao pleito, tivemos apenas a visita do candidato Afif. Quem? Eu também não sei direito quem ele era. Só me lembro que seu bordão era o mais legal da época: “Juntos, chegaremos lá!”, acompanhado de uns sinais que queriam dizer a mesma coisa na linguagem das libras. Sua aparição deveria acontecer no terreno ao lado do campo de futebol (Alcidão), ao meio-dia, e uma grande massa de donas-de-casa e crianças compareceram para ver aquele político todo maquiado des-cer de helicóptero (outra raridade) para fazer seus famosos gestos, umas quinze vezes seguidas, e levantar voo novamente. Hoje penso que talvez o pouso do helicóptero tenha sido o motivo da minha ida até lá. Tudo aconteceu como previsto: Afif chegou com duas horas de atraso, gritou “Juntos chegaremos lá” umas 20 vezes e partiu para Santana do Brumadinho, onde repetiria o exaustivo show.

Outra lembrança que tenho da infame eleição em que colocamos Fernando Collor no poder, foi que Rinaldo Brandão realizou um baile no barracão dos Democráticos e utilizou como ingresso uma cópia da cédula eleitoral, contendo o nome de todos os candidatos – tirando o Sílvio Santos. Como ninguém estava interessado em responder questionário em noite de sábado, eu passei pelo barracão no outro dia e acabei recolhendo as cédulas em branco para realizar a minha própria pesquisa. Com 11 anos de idade, saímos eu e Fernando Cabeça, na tarde de segunda-feira, para saber qual seria o novo presidente. A urna era uma embalagem de Ortopé. Eu entregava as cédulas e o Cabeça transportava a caixa. Quando chegamos em casa, usamos a regra de três e esperamos o resultado. Não é que deu certo? Acertamos com mais precisão do que o Ibope e os dados obtidos estão guardados até hoje lá em casa, em uma gaveta qualquer.

(Carlos Romero Carneiro)

2 comentários:

  1. Oi, Carlos. Adoro seus textos. Arrumei um companheiro que também gosta de mexer no baú da memória. Recebi o jornal hoje. Mais uma vez, obrigada. Ficou muito legal. Abraços.

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  2. Eu também fui "recepcionar" o Afif Domingos no campo de futebol...rsrsrsrs

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Guilherme_Afif_Domingos

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