domingo, 9 de janeiro de 2011

O dia em que a cidade chorou

O casamento de Luiz Schimidt e Maria Borsato aconteceu no dia 9 de outubro de 1952.
Foi ontem, parece.  Era o dia 9 de outubro; fazia uma bela manhã primaveril! Nós os vimos felizes e sorridentes, em seus trajes de noivos, penetrarem na Igreja e, ao som vibrante da marcha nupcial, caminharem para o altar a fim de se unirem pelos laços sagrados e indissolúveis do matrimônio. Há seis anos que vocês esperavam aquele momento no qual o ministro de Deus os faria marido e mulher, concretizando assim o maior sonho de suas vidas!  Com a Igreja toda engalanada, era grande o número de convivas.  Todos queriam ser os primeiros a cumprimentá-los. Terminada a cerimônia, houve uma farta mesa de doces. Entre cantos, risos e flores, vocês partiram o bolo. 

Ao final da festa, da plataforma da estação, nós os vimos partir, radiantes de vida e esperanças para a viagem nupcial. Novos abraços, lágrimas de comoção e acenos de lenços. O trem foi se distanciando. Vocês partiam e nós ficávamos... Houve lágrimas, muitas lágrimas na despedida. Houve também a esperança consoladora de que aquele “adeus” nada mais era do que um “até breve”. Dentro de poucos dias vocês estariam de volta. E vocês voltaram, sim. Mais depressa do que esperávamos. Por quê?! Nós não sabemos. Foi a vontade de Deus que assim o determinou.

Jovens de caráter bem formado, pertencentes a famílias profundamente religiosas, quiseram vocês, antes  de mais nada, fazer uma carinhosa visita à mãe dos céus, em seu santuário de Aparecida do Norte.  Certamente foram render-lhe graças e pedir-lhe proteção para a vida nova que os esperava. Os bons filhos jamais se esquecem de sua mãe, nos grandes momentos da vida! - Cheios das bênçãos, hei-los rumo à Paulicéia, de onde seguiriam depois para Poços de Caldas. Quis, entretanto, o destino cruel que a viagem fosse interceptada  quando apenas se iniciava! No hotel, em São Paulo vocês foram passar a 3ª noite nupcial.  Ali, a vida lhe sorria prometedora; tudo era sonho e poesia. Como vocês eram extremamente felizes, nenhum pensamento menos alegre poderia perturbar-lhes a mente. Por isso, adormeceram despreocupados, ignorando a tragédia que os esperava. Eis que a morte, através da exalação do gás intoxicante, veio ceifar-lhes as vidas, transportando-os do sono passageiro para o sono eterno. 

Hoje, apenas 5 dias são decorridos do enlace e hei-nos, novamente com vocês. A igreja é a mesma, os convidados também. Entretanto, que mudança chocante! Que contraste horrível no cenário de agora! Dir-se-ia que uma bruxa má e agourenta passou por aqui transformando tudo com seu condão mágico e sinistro. A natureza, como nós tão alegre naquele dia, hoje muito triste também chora conosco. Houve risos, hoje há soluços. A dor substituiu o prazer. O branco tornou-se luto. Em vez de marcha nupcial e do canto de Ave Maria, hoje há marcha fúnebre e cantochão. Que horror,  meu Deus!  Algum enlace macabro, por ventura vai se realizar? Onde estarão os noivos ? Eles não caminham, vem carregados!  Seus corpos, ontem radiantes de vida, hoje são cadáveres duros e frios... Não caminham para o altar, mas seguem para o túmulo.  O sacerdote não pronuncia o “Ego conjugue vobis”, mas o “Requiescat in pace”.  No cemitério, os espera o leito nupcial: a cova estreita e escura! 
O noivos foram sepultados cinco dias após o casamento.
Queridos primos, antes que vocês partam e nos deixem para sempre, nós, os seus parentes e amigos que, da plataforma da estação, fomos apresentar-lhes as nossas despedidas naquele dia feliz em que vocês partiam ditosos para a viagem de núpcias, vimos hoje à beira do jazigo para apresentar-lhes nosso último adeus. Não lhes acenamos os lenços, porque eles estão regados de lágrimas. Não desejamos “boa viagem”  e  “breve regresso”, porque sabemos que vocês não poderiam nos atender. Muitos lamentam que vocês não tivessem realizado tão almejada viagem nupcial, aqui na terra. Todavia, nós, os que acreditamos na imortalidade da alma e sabemos que a vida  principia com a morte, estamos certos de que vocês é que são felizes.

Sejam, pois, mil vezes venturosos no convívio de Deus e dos Santos, enquanto que, como Paulo e Virgínia, Romeu e Julieta e tantos outros casais  unidos na vida e na morte, a lembrança ficará para sempre imperecível em nossos corações como exemplo do mais puro, belo e verdadeiro amor. 

Adeus! Santa Rita, 14 /10 /1952 - Yolanda Schimidt

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