quarta-feira, 23 de julho de 2014

Você quer uma carrapeta! (Por Ivon Luiz Pinto)

Uma torneira estava vazando. Coisa pouca, pingos, mas  incomodava. Além disso, era contra a economia que pedia para poupar água. Então resolvi reparar. Fechei o registro, desatarraxei a parte que tem a borboleta que a faz abrir, retirei aquela pecinha que tem uma borracha na ponta e fui comprar o reparo no Empório Brusamolin. Mostrei a pecinha para o amigo que me atendeu e ele, sonoramente, me disse:

- Ah! Você quer uma carrapeta!
Fiz cara de bobo, mais bobo ainda do que sou. Que nome esquisito. Eu conheço carrapato. De todos os tipos e tamanhos. Carrapato estrela, carrapato “porva”, carrapato pequeno, grande. Há mais de 800 espécies, cada uma com um nome científico e endereçado para um tipo de animal: carrapato do boi, carrapato do cavalo e tem até carrapato da galinha. O carrapato do boi em sua forma adulta é conhecido como carrapato estrela. Fica grande, do tamanho de um feijão verde, ou até maior. A sua forma larval, o micuim, está nos pastos no período de março a julho. Este tipo de micuim, que pode ficar até 24 meses sem se alimentar, esperando um hospedeiro, no homem causa terrível coceira e inflamação que pode durar mais de um mês. Lá na roça ouvi contar muitos modos de combater ou evitar carrapatos como lavar o corpo com arruda, passar sabão de cinza no corpo antes de entrar no pasto ou até mesmo o benzimento que a sá Dita fazia com orações que a gente não entendia. Dava até medo.

 Muitas vezes tirei da orelha da vaca mimosa uns carrapatos grandes, gordos de tanto chupar sangue. Dizem que carrapato não faz cocô, ele vai se enchendo de sangue, se esticando, esticando, até estourar. Eu nunca vi isso acontecer. Mas lá na roça dizem que é assim, e eles sabem. Certa vez, entrei num pasto de capim alto, num tempo de seca, e fiquei com umas pintinhas amarronzadas na barriga. Eu era criança e não sabia o que era aquilo que coçava demais. Eu me esfregava muito e não saía o incômodo. Tio João mandou que eu ficasse quieto, colocou o pito de um lado, deu uma cusparada no chão e olhou minha barriga, deu uma fungada e avisou: "É o porva". 

Eu não entendi e ele explicou que era um carrapato muito pequeno, “miudim, miudim”, que atarraca o corpo da gente. O carrapato enterra a cabeça no corpo da gente e fica com seu corpo para fora. Não se pode arrancar só a parte visível, só o volume cheio de sangue. É preciso arrancar também a cabeça para que ela não inflame a pele se ficar lá dentro, morta. Contudo, o “porva” é tão miudinho que não se consegue ver onde está a cabeça. Mas tio João, homem sabido, tropeiro viajado por essas montanhas de Minas, descendente  de índios, parente de Aymbere, sabia como tirar o bichinho de minha barriga. Ele encheu a boca com uma boa dose de pinga, pegou de fumo macaia, daqueles ruim que não servem  para pitá, daqueles que se põe no ninho das galinhas para espantar o piolho delas, e jogou a pinga em cima. Amassou bastante até formar uma pasta rala e passou no meu corpo. Aconselhou-me dormir sem tomar banho, coisa que aceitei com alegria.  No outro dia tudo saiu no banho: fumo, pinga e carrapato. Fiquei com a barriga livre. Todas essas coisas se manifestaram na minha memória só porque eu queria reparar uma torneira e o Virgílio me ofereceu uma carrapeta. 

Oferecimento:

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